sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O inicio

Prólogo

Estar no Japão é para mim um privilégio. Para pessoas como eu, apegada demasiadamente aos amigos e à família, também se trata de um grande desafio. Mas, como freqüentemente ouço, principalmente do meu professor orientador, tenho só a agradecer por receber verba federal japonesa para fazer uma pós-graduação, que vai apenas me trazer benefícios, diferente dos muitos brasileiros dekasegis que estão tendo de voltar ao Brasil devido à crise econômica que se instaurou no mundo todo.

Num país seguro como o Japão, ao andar a pé ou de bicicleta, em diversos momentos me flagro atingindo o limite da irracionalidade, quando meu pensamento despreocupado com possíveis assaltos ou outros perigos vagueia por aí. Além disso, freqüentemente topo com situações irrelevantes aqui neste lugar, que no Brasil são coisas totalmente interessantes, ou absurdas, ou exemplares. Alguns desses pequenos pontos, por muitos considerados triviais, desejo mostrar aqui nos posts desse blog. Da mesma forma, quando algum desses meus pensamentos transcendentes demonstrar um pouquinho de cultura que seja, ainda que inútil, transmiti-lo-ei também aqui. Peço desculpas antecipadamente pela possível não-adaptação à nova ortografia unificada dos países de língua oficial portuguesa, pois nessa fase de transição, dou-me o luxo de uma "licença literária".

Raphael E. Prestes Salem - 23 para 24 anos - Paranaense, pontagrossense com orgulho - Universidade de Nagoya - Mestrado em Engenharia e Design Molecular - Fevereiro de 2009

O troco correto

Quantas vezes estamos no supermercado e, na hora de receber o troco, o caixa fica nos "devendo" um ou dois centavos? No Japão isso não acontece.

O brasileiro nunca deu muito valor para as moedas. Os níqueis, ou miúdos, como se diz por aí, nunca tiveram um valor digno de ser utilizado intensamente. Quando o Real transformou-se a atual moeda do Brasil, em 1o. de julho de 1994, as moedas passaram a ter valor. São elas: 1, 5, 10, 25, 50 centavos e 1 real. Ora, porém, se o Governo não dá valor para as moedas, por que que o povo vai dar? Nunca o povo brasileiro foi exemplo para o Governo. Este ignora tudo o que lhe passa aos olhos e é honesto.

Eu digo isso porque, com a crescente desvalorização do real, moedinhas como as de 1 e 5 centavos passaram a ter valor ainda mais ínfimo. E a Casa da Moeda do Brasil parou de produzir as moedas de um centavo. Pois bem, a falta de moedas de um centavo, somada ao desinteresse do povo em mantê-las no bolso, fez com que elas se tornassem nada mais que objetos incômodos em fundo de gaveta. Muitas vezes, ajuntados de centenas dessas moedas dentro de uma latinha qualquer são ótimos apoios para segurar portas.

Há alguns anos atrás, quando se ia ao supermercado ou ao banco, e o caixa estava com falta de moedas de um centavo, o atendente do caixa polidamente dizia: "Posso ficar lhe devendo um centavo?". Retornando ao conceito de que o brasileiro não dá valor para um centavo, é fácil perceber que muitos ignoravam até mesmo essas palavras, que custando temporalmente mais do que um centavo para ser faladas, deixaram de sê-lo.

Enfim, hoje, quando vamos aos mesmos caixas, a grande maioria dos operadores, em casos que o valor total das compras termina com R$ xx,x9 ou xx,x8, simplesmente arredondam o valor para cima, sem avisar ao cliente, e dão o troco faltando as famigeradas moedinhas de um centavo.

Podem me chamar de chato! Podem me chamar de sistemático! Eu não chegaria ao extremo de dizer que esses arredondamentos são roubo - tampouco diria que é culpa dos operadores de caixa não haver as moedas que há muito deixaram de ser produzidas pelo governo (e as poucas que restam estão calçando portas). Mas, pelo amor de Deus... cadê a educação?

Você acha correto ir à loja de doces e, deliberadamente, como amostra, sem pedir permissão à dona da loja, ir experimentando um docinho de cada? Um chicletes de cada? Soa no mínimo estranho, a ausência de aviso ou de permissão. O mesmo pode ser considerado para o caixa que não pede desculpa pelo troco estar incorreto! E as administrações, os recursos humanos, que não se preocupam em incluir esse tipo de educação no treinamento de seus funcionários? A banalização de centavinhos é apenas um reflexo da sociedade brasileira no aspecto de "tanto faz como tanto fez", para coisas muito mais importantes do que uma mera moeda. Para a fome, para a impunidade, para a violência, os "verdadeiros palavrões da língua portuguesa", como dizia Dercy Gonçalves.


O simples pagamento de uma compra no Japão


A moeda corrente no Japão é o iene, há muitas décadas. A taxa de câmbio atual, fora da situação de crise, sempre foi muito estável, aproximadamente 100 ienes para 1 dólar. Muitas pessoas pensam erroneamente que o iene é um dinheiro desvalorizado, porque 100 ienes equivalem a um dólar. Mas o que mede a valorização de uma moeda não é de maneira alguma o número de unidades monetárias. A estabilidade, todavia, é um bom medidor da valorização de uma moeda, e o iene é uma moeda muito estável. 1 iene, portanto, corresponde a mais ou menos (hoje em dia um pouco mais) que um centavo de dólar.

Assim como um centavo de real, dificilmente se compra algo no Japão tendo apenas 1 iene em mãos, mas essas moedinhas aqui são muito importantes. São pequenas moedinhas de alumínio que existem como praga. E a propósito, o alumínio é um metal relativamente caro (como bom engenheiro de materiais eu não poderia deixar de citar isso).

É importante ressaltar também que o Japão não tem a cultura da barganha, da pechincha. É totalmente diferente da China! Se, em qualquer lugar, o preço é X e não está anunciada nenhuma promoção, nenhum desconto de época, é fortemente recomendável que você hesite em chegar ao caixa e tentar negociar com o vendedor um arredondamento para baixo ou um desconto, nem que este seja de 1 iene! Aí está a importância das moedinhas de alumínio: na hora de fechar as contas, elas fazem a diferença!

E a relação reciprocamente respeitosa entre cliente - que não pechincha - e vendedor - que dá o troco correto - gera uma relação muito amigável no comércio. A filosofia aqui é mais ou menos a seguinte: "Eu tenho o meu preço pelo produto, pelo serviço. Se você não está contente com ele, eu lhe recomendo que procure outro lugar.". Isso obviamente não é dito, mas é sentido, inclusive em lojas de donos japoneses no Brasil. Você pode perceber, se for à Liberdade em Sampa, por exemplo. Não é antipatia, não é arrogância, não é burrice de jogar clientes fora. É simplesmente um aspecto cultural.

Imagine que bacana seria se o Brasil, com sua ótima cultura de pechincha, junto com a educação de praticar um preço tal e dar sempre o troco correto, ou desculpar-se por não poder fazê-lo, ou simplesmente reduzir o preço como cortesia, convivessem pacificamente? Pessoas com esse conceito meu, muitas vezes consideradas chatas, passariam despercebidas, e todo o mundo estaria feliz... e sem prejuízo, a não ser que quisesse!


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